O Vestido
«Aquelas terras eram rudes, terras de montanhas a mergulhar a pique no rio Douro. Não havia por lá padres nem igreja. Uns rezavam ao sábado, outros ao domingo, mas todos temiam Deus e pediam perdão à Virgem. Alguns iam até à igreja da aldeia vizinha, que um padre vinha abrir de quinze em quinze dias. Constança foi lá um dia e viu como a Virgem era bonita, de vestido de cetim azul e pezinhos pousados na Lua. Foi ali que deu conta que os dois vestidos pretos que tinha eram feios e isso entristeceu-a… Mas diziam que a Virgem era mãe de Deus e pensou que, talvez, um dia, ela também fosse mãe e assim seria Virgem! Virgem com os pés pousados na Lua… A ideia entusiasmou-a».
Kitch
«Mas aquilo deu-lhe que pensar. Então o que fazia a mãe não era arte? As mulheres não criavam arte? Claro que tinha estudado e ouvido falar de pintores e escultores, tinha-os visto nos livros do liceu. Mas pintoras e escultoras? Não, disso não se falava. Nunca ousou perguntar ao professor de educação visual, seria uma impertinência… E assim prosseguiu, pensando que não, isso não seria coisa de mulheres; as mulheres posavam nuas ou vestidas, as mulheres eram musas e deusas, sim, mas, sobretudo, as mulheres criavam a melhor arte do mundo, as mulheres davam filhos ao mundo, justamente, e essa ideia consolou-a»..»
Retrato de Eva Friedman
«Por isso a Figueira da Foz sorria aos estrangeirados neste momento crucial sem passado nem futuro. Um ápice a saborear um gelado de baunilha enquanto não derretesse. Mais nada. Mais nada esperavam ali naquele dia. Por isso foram à praia. E as crianças brincavam… Um chilrear de pássaros abafado pelo vai e vem do mar a morrer em espumas brancas e logo castelos a desfazerem-se na areia… Tantos naufrágios dentro de um gelado de baunilha, tantos naufrágios num ápice, e o sol sorria… Mistérios do desamparo, euforias do desastre nesta hora tardia».
*
* *
Lisa Santos Silva - BIOGRAFIA
1949 - Nasce no Porto
1951 - Parte para Angola onde passa a infância e a adolescência.
1975 - com Eduardo Prado Coelho, Helder Macedo e João Vieira, participa na criação da Secretaria de Estado da Cultura.
1978 - Instala-se em Paris.
1980 - Integra o Departamento de Pedagogia do Museu Nacional de Arte Moderna, Centro Georges Pompidou, onde trabalha durante seis anos como conferencista, especialista em séc. XX.
2016 - Profundamente marcada pela infância africana escreve L’Anniversaire.
2017 - Escreve a versão portuguesa, aumentada, de L’Anniversaire: Apaga Tudo, Não Esqueças Nada.
1951 - Parte para Angola onde passa a infância e a adolescência.
1975 - com Eduardo Prado Coelho, Helder Macedo e João Vieira, participa na criação da Secretaria de Estado da Cultura.
1978 - Instala-se em Paris.
1980 - Integra o Departamento de Pedagogia do Museu Nacional de Arte Moderna, Centro Georges Pompidou, onde trabalha durante seis anos como conferencista, especialista em séc. XX.
2016 - Profundamente marcada pela infância africana escreve L’Anniversaire.
2017 - Escreve a versão portuguesa, aumentada, de L’Anniversaire: Apaga Tudo, Não Esqueças Nada.
Fez inúmeras exposições individuais e coletivas. Tirado daqui
Sem comentários:
Enviar um comentário