«Nutrindo-se de existências (mais ou menos) comuns, “Os Velhos”, no entanto, proporcionam a experiência invulgar e do excessivo, porque do romance emana a “nudez crua da verdade”. É essa verdade que, dando mote às páginas do livro, se insinua no leitor e o faz compadecer-se das vidas que são erigidas e que acompanhamos em diversas fases, com destaque para a velhice. Dos habitantes de um lar da terceira idade, todos vergados à sua condição de tristeza, solidão e desesperança, destacam-se, ao longo da obra, Maria de Fátima, Ernestina dos Anjos e Bernardo Augusto, cujas vidas são objecto de estudo. No lar, já em idade vetusta, estas (e outras) personagens encontram o reverso do que devia significar a palavra lar. Sós, embora o espaço seja o de muitos homens e mulheres, desencantados, esquecidos da vida, perdidos da esperança, as personagens só têm praticamente existência de que o lar de idosos é a última fase do que foi a vida, fase esta de abandono, embora, aparentemente, nada lhes falte – faltam flores e Sol e risos e amor. A par do presente das personagens referidas, há um recuo ao seu passado. Dos nossos dias, passa-se para os anos trinta, quarenta, cinquenta, sessenta, setenta do século XX. Maria de Fátima é a personagem em que representa a mulher típica dos anos acima enunciados, resistente no seu papel de filha, esposa e mãe. Ernestina dos Anjos é uma mulher marcada, desde o nascimento, pela desdita, sendo, quando adulta, vítima das forças mais brutais de violência doméstica. Bernardo Augusto é um idealista, que luta contra o Estado Novo e é dele vítima. Encontramo-nos, assim, perante a diversidade do humano. Mais relevante, porém, é a ambiência do presente, no lar da terceira idade, para onde os velhos vão porque são incómodos ou por não terem outra opção e onde perdem a noção de tempo, pois cada dia é igual ao anterior e esquecem a esperança e a alegria. “Os Velhos” são um romance que se configura como um retrato dos nossos dias, descritos com crueza e força de linguagem, em que o tempo é demasiado precioso para se ‘desperdiçar’ com quem já, supostamente, nada tem para oferecer. Embora o narrador faça abundantes comentários, não há, moralismos nas páginas do livro – estes ficam a cargo do leitor.

 

Excerto do livro:
“E foi tal castigo consumado quando Jeremias arrastou Ernestina dos Anjos até à pocilga do porco, empurrando-a para dentro e prendendo-lhe o tornozelo direito com uma corrente, que se encastrava numa das paredes da pocilga – aqui é o teu lugar, disse-lhe. Quem visse a expressão de Ernestina perceber-lhe-ia o espanto, mais do que outro sentimento. Quis gritar, chamar pelos filhos, mas a voz emudecera-lhe. E, passado o espanto primeiro, veio ela a resignar-se, percebendo que era esse o seu destino, ser um animal, tal o porco que a olhava como se também espantado, não ter vontade nem voz.
Entraram e saíram dias, meses, estações, anos, e Ernestina a viver na pocilga, um viver efectivamente desumano, mais degradante não se poderá imaginar, certamente haverá quem do aqui narrado duvide”.

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«(...) A infantilização da vida rotineira dos velhos é muito bem descrita neste que, tanto quanto conhecemos, é o melhor romance português sobre este tema tão delicado» - Miguel Real no JL | 27 JUJ 2022