sábado, 23 de maio de 2020

«(...)ela tem a característica de dizer o que pensa mesmo quando ou sobretudo quando vai contra a “linha justa"»


«Um dos livros mais interessantes que li este ano intitula-se “De Língua Afiada”, sequência de ensaios biográficos sobre mulheres do espaço público norte-americano conhecidas pela inteligência, coragem, cultura, independência, graça ou insolência, entre as quais Hannah Arendt, Susan Sontag, Joan Didion, Mary McCarthy ou Pauline Kael. Quando comecei a ler o livro, pareceu-me logo que faltava Camille Paglia, a feminista que as feministas abominam. E depois, por causa de um perfil recente na “New Yorker” e de um documentário de Scorsese, “Public Speaking” (2010), que vi esta semana, lembrei-me que também falta Fran Lebowitz.
(...)
Podia pensar-se que Fran Lebowitz não iria longe como contrarian, porque parece não divergir muito dos consensos da esquerda liberal americana; e, no entanto, ela tem a característica de dizer o que pensa mesmo quando ou sobretudo quando vai contra a “linha justa”. Quando lhe pedem um balanço sobre os direitos LGBT, espanta-se com o facto de os homossexuais reivindicarem o acesso a instituições arcaicas ou repressivas como o casamento e o exército; quando querem saber porque defende a vingança, argumenta que é judia e que o perdão é para os bons cristãos; quando lhe perguntam se há diferença entre a voz feminina e a voz masculina na literatura, ela responde: “Até ao telefone, quanto mais em literatura.” E também não se importa de chamar ignorante a quem sabe pouco, de tratar os turistas como pacóvios, de defender o tabagismo ou de considerar que a maior virtude dos homens é a testosterona e o maior defeito das mulheres é o instinto maternal. Quanto ao confinamento, tem-lhe custado estar em casa, embora até goste de estar em casa. E espera que depois do coronavírus as pessoas abdiquem do hábito estapafúrdio de se abraçarem em público». (Excerto da crónica de Pedro Mexia na revista do Expresso de hoje - 23.05.2020).

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E sobre «De Língua Afiada»:



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