Em 2015 houve em Portugal uma discussão em forma de caricatura sobre os piropos e a importunação verbal. Curiosamente, se bem me lembro, dos dois lados das barricadas estavam praticamente só mulheres — as que queriam criminalizar e as que viam o piropo como uma forma de elogio de um cavalheiro e nunca terão andado pela cidade sozinhas à noite. A verdade é que houve uma alteração ao código penal que passou meio despercebida e que fez com que as “propostas sexuais” não desejadas pudessem dar penas até três anos. E aqui estamos meia dúzia de anos depois. O assunto mal resolvido.
Por muito que a homenzarrada se diga injustiçada aqui ou ali, que a cultura woke de cancelamento a está a amordaçar, a verdade é que ser mulher, mesmo em sociedades desenvolvidas, ainda tem grandes desvantagens. Isto já quase com o primeiro quarto do século XXI completo. Os homens sentem a perda de qualquer milímetro de poder como uma ameaça e uma injustiça. Ao longo da vida, apenas os vi mudar quando tiveram filhas. Todo o homem hetero tem um alarve dentro de si. Saber viver com decência é admiti-lo e mantê-lo agrilhoado na caverna.
Podem os algoritmos ser alarves? Um estudo efetuado pelo MIT demonstra que os algoritmos são altamente sexistas e discriminatórios. A inteligência artificial encarregada de autocompletar imagens sexualiza maioritariamente as mulheres, colocando-as de biquíni enquanto veste o homem com um fato e gravata para lhe dar respeitabilidade. É um machismo algorítmico difícil de resolver: quem os programa são humanos com os seus próprios preconceitos (e a maioria são homens), e o machismo, o racismo e o sexismo fazem parte da aprendizagem natural destas fórmulas matemáticas, dado que vão fazer essa autoeducação na net, onde essas imagens estão agrupadas de forma discriminatória. Se há uma discriminação sistémica na internet, a inteligência artificial vai refletir esse sexismo. O algoritmo é a imagem dos preconceitos do seu criador.
O homem da carrinha está em todo o lado. Li um artigo recentemente no “El País” que relata que há empresas que vendem serviços (ilegais) para “incentivar as mulheres de forma inconsciente a ter sexo”. A ideia é que, através da manipulação de técnicas de marketing digital, se consiga direcionar uma mulher de forma inconsciente nesse sentido. Pelo que percebi, a coisa funciona desta forma: o indivíduo paga à tal empresa o serviço, e esse cavalheiro terá então de enviar um link para o WhatsApp dessa pessoa para que ela o abra. Quando essa ação estiver completada, o hiperlink começará a fazer um acompanhamento do seu browser e “a receber mensagens subliminares e que a incutem a praticar sexo”. Este serviço, lembra o “El País”, baseia-se em algo que na publicidade se chama retargeting, que consiste em voltar a dirigir mensagens com o mesmo tipo de coisas com que previamente interagimos. A mim soa-me a treta. (...)».
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