No dia em que João Pina abriu uma caixa antiga que guardava negativos, folhas de contacto, gravuras vintage, cartas e telegramas do Tarrafal, iniciou um diálogo epistolar no tempo com o seu avô Guilherme da Costa Carvalho, enviado em 1949 para o campo de concentração do regime fascista português em Cabo Verde, conhecido também como o campo da morte lenta.
Os pais de Guilherme, Luiz e Herculana, foram as únicas visitas familiares ao Tarrafal na sua fase «portuguesa», levando consigo uma providencial câmara fotográfica Rolleiflex para retratar e dar prova de vida de todos os presos políticos do campo, além de fotografar todas as sepulturas dos mortos.
É a estas imagens, os únicos registos visuais feitos à época no interior do campo de concentração, que regressa João Pina, fotógrafo documental, continuando o seu já vasto trabalho de cartografia da memória histórica e das violações dos direitos humanos em forma de livro. À história pessoal e ao arquivo familiar, Tarrafal junta ainda anos de investigação e de colaboração com ex presos políticos, historiadores e famílias cabo verdianas, constituindo se como um documento de referência para, nos 50 anos do 25 de Abril, lembrar as consequências do passado vivido e compreender os desafios que temos pela frente. Saiba mais.
Esta é uma imagem do fotógrafo João Pina. E faz parte de um livro que poderia ser amargo, com memórias de opressão. Mas não é, porque nele se declara o amor do autor à dignidade trazida por uma mãe e um pai a um filho preso. E aos outros prisioneiros políticos e às respetivas famílias. O filho no campo de concentração é o avô Guilherme que o fotógrafo não conheceu. No novo livro “Tarrafal”, a imagem enquadra-se num facto: “Vala e muralha construídas pelos presos políticos portugueses, obrigados a picar e a extrair pedras para a construção.”
O neto passou parte de uma noite no Tarrafal, para tentar perceber. E na página anterior espreitam as raízes de uma acácia-rubra, a formar um díptico fotográfico com esta imagem muralhada. Sob a árvore, os presos procuravam sombra. Nestas quase 300 páginas, conta-se como um neto foi conhecer o sítio onde esteve preso o avô, entre 1949 e 1951. A história do militante comunista Guilherme da Costa Carvalho daria um filme de ação, com cenas de fazer chorar pessoas duronas, no escuro do cinema. Os pais de Guilherme não eram do Partido Comunista Português. Sobrava dinheiro ao capitalista Luís Alves de Carvalho e à católica Herculana Jesus da Costa Dias Carvalho, quando o filho esteve preso no Tarrafal. Não se sabe bem como, e contra todas as regras, foram autorizados a visitá-lo. Viajaram duas vezes e fotografaram os presos. A mãe de Guilherme deixou flores nas campas dos prisioneiros mortos. O pai fotografou tudo, para mostrar às famílias. Sim, são fotografias fundamentais do séc. XX português.
Este Campo da Morte Lenta funcionou na colónia portuguesa de Cabo Verde. E pode ser visitado na ilha de Santiago, junto à povoação do Tarrafal. Foi criado em 1936, para aclimatar presos incómodos à nossa ditadura de inspiração fascista, liderada por António de Oliveira Salazar. A localização aliava a distância de Lisboa a um clima inóspito. Ninguém fugiu, entre torturas, doenças e fome. (...)».
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