Do que diz José Luís Porfirio sobre a exposiçã0:
«Há 20 anos, respeitando a forma original das peças de Rafael Bordalo Pinheiro, Júlio Pomar baralhou os dados e gerou figurações impossíveis, criando outras quimeras. Uma nova exposição reapresenta-as, mas não fica por aí
Seja-me permitido, a propósito desta exposição, usar a palavra grega ‘quimera’, que aponta para um ser impossível, um compósito de leão, cabra e serpente, monstro irmão de outro monstro o mais célebre Cérbero, o cão de três cabeças que guarda a entrada da morada dos mortos, o Hades. Na linguagem comum e corrente quimera é sinónimo de ilusão e (ou) de fantasia, algo que não corresponde ao que sabemos, ou supomos, ser a realidade. (...)»
As quimeras são cinco (e mais uma), quatro delas moram num largo plinto em L que ocupa o centro da galeria e as outras estão na parede, todas têm nome de gente — uma brincadeira verbal que Pomar uniu ao jogo formal — e podemos descobri-las por ordem de complexidade.
Sobre o plinto: Suzy, a porca, ou a sua cabeça assente numa descomunal orelha humana; José, a cabeça de boi cujas orelhas são folhas de couve e os cornos tenazes de lagosta; Ezequiel, o gato de corpo inteiro que até parece um caracol, com orelhas que são caudas e cauda que é um corno; Judite, a galinha assente sobre os seus ovos, mas que é uma espécie de terrina de onde emergem quase saltando e como que explodindo um peixe, um gafanhoto e um corno. Na parede está, mais ameaçadora, Joana, uma coruja realizada a partir de uma mísula, tendo duas orelhas de touro como asas com uns orifícios iluminados por trás que resultam nuns olhos inquietantes. Discreta, também na parede, uma besta, ou balesta, cujo arco é uma cobra e a haste uma lagosta. (...).
De Rafael temos o comentário crítico, jocoso e político sobre o seu tempo de parlamentarismo monárquico, no trabalho de jornalismo gráfico que mais terá contribuído para a queda da monarquia cinco anos depois da morte deste artista. O bestiário de Rafael também tem nomes de gente poderosa do seu tempo: na exposição vemos páginas de jornais humorísticos que criou: “O António Maria” (Fontes Pereira de Melo), de 1879 a 1885 e 1891 a 1898, “Pontos nos ii”, de 1885 a 1891 e, finalmente, “A Paródia”, de 1900 a 1907, que lhe sobreviveu. (...)».
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