sábado, 26 de setembro de 2020

SHERE HITE

 




SHERE HITE  morreu no passado dia 9 de setembro. Como se pode ver foi autora do livro da imagem. A sinopse:

«Hoje consagrado como um livro clássico sobre a sexualidade feminina, O Relatório Hite foi revolucionário aquando da sua publicação em 1976. Para responder às questões com que as mulheres se confrontam quando lidam com os detalhes mais íntimos da sua sexualidade, a inovação que Hite introduziu foi simples: perguntou tudo às mulheres - e publicou as respostas.
Saiu em Portugal, pela Bertrand, em 1979, mas, apesar do muito que as mentalidades e os costumes se alteraram desde então, este continua a ser um texto marcante, as suas revelações igualmente relevantes, e o seu peso na nossa sociedade equiparável a outros textos fundamentais da segunda vaga do feminismo, como O Segundo Sexo e A Mulher Total». Veja mais.

E do que António Araújo  escreveu no semanário Expresso desta semana:

«Nunca se perguntou às mulheres como se sentem em relação ao sexo.” Na frase de abertura, um programa revolucionário. E a sua autora, falecida em Londres no passado dia 9 de Setembro, bem merece ficar para a posteridade como “a grande perguntadora”, já que o que de mais bombástico existiu no Relatório Hite não foram as conclusões alcançadas – para muitos, pouco científicas e bastante questionáveis –, mas o facto de, pela primeira vez, alguém ter resolvido interrogar as mulheres sobre o modo como viviam a sua sexualidade, coisa que, pelos vistos, nunca merecera a atenção dos homens, na academia, na política, nem sequer na cama.

Nascida em 2 de Novembro de 1942 com o nome Shirley Diana Gregory, Shere Hite viu a luz do dia em St. Joseph, estado do Missouri, uma cidade ultraconservadora que, no passado, fora ponto de partida do lendário Pony Express, local de falecimento do gangster Jesse James e, mais recentemente, terra natal do cantor Eminem. Fruto de uma gravidez adolescente, criada pelos avós e por uma tia, Shere adoptou o apelido do padrasto, Raymond White, camionista de profissão, pouco antes de concluir os estudos secundários na Seabreeze High School de Daytona Beach, Florida, após o que se matriculou na universidade desse estado, onde se licenciou e obteve o mestrado em História. Em 1967, inscreveu-se na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, para fazer o doutoramento em História Social, que não chegou a terminar porque, segundo dirá mais tarde, o ambiente aí reinante era demasiado retrógrado para as suas investigações arrojadas.

Para ajudar a pagar os estudos, fez trabalhos como modelo e chegou a posar nua para a Playboy. Reza a história que foi então que teve a sua epifania feminista: num anúncio para as máquinas de escrever Olivetti, em que surgia vestida como uma secretária diligente e sexy, um publicitário desastrado resolveu introduzir uma piada misógina – “A máquina de escrever já é tão inteligente, que ela [Shere, a secretária sexy] nem precisa de o ser.” Ao que parece, a própria Hite, que já na altura frequentava os círculos feministas de Nova Iorque, participou nas ruidosas manifestações de protesto que se realizaram à porta da empresa.

O seu interesse pelo orgasmo feminino e pela compreensão da sua própria sexualidade levou-a a conceber um questionário em larga escala a que responderam 3.019 mulheres americanas de diferentes estratos socais e de idades compreendidas entre os 14 e os 78 anos, às quais foram feitas perguntas que iam da masturbação ao orgasmo, passando pelo coito, pela estimulação clitoriana ou pelo lesbianismo. Nesse inquérito, levado a cabo entre 1972 e 1974, colaboraram diversas organizações de defesa dos direitos das mulheres, como a National Organization for Women, além de grupos pró-aborto e revistas como The Village Voice, Mademoiselle, Brides, Ms e Oui, que publicaram anúncios sobre o projecto, os quais foram divulgados inclusivamente nos boletins de diversas igrejas. Os resultados contribuíram para desfazer mitos arcaicos sobre a sexualidade feminina, mostrando, por exemplo, que a estimulação clitoriana era muito mais importante para atingir o orgasmo do que a penetração vaginal (apenas 30 % das mulheres disseram alcançar o clímax através do coito), algo que, impõe-se dizê-lo, não era uma novidade absoluta e já tinha sido dito, por exemplo, no livro The Myth of the Vaginal Orgasm, que a feminista radical Anne Koedt publicara em 1970. Mas, para muitos milhões de mulheres em todo o mundo, o mais importante foi terem percebido que não estavam sozinhas no modo, ou modos, como viviam a sexualidade.

Depois da revolução operada pela pílula do Dr. Pincus, que ao dissociar o sexo da reprodução libertou as mulheres do fardo das gravidezes indesejadas ou acidentais, o livro de Shere Hite, saído em 1976, introduziu uma nova e radical transformação da intimidade feminina (e masculina), bem mais profunda e perene do que os excessos hippies dos anos 60, precisamente porque não trouxe o excesso nem enalteceu o desvio, mas, muito pelo contrário, evidenciou a normalidade, mostrando que não era anómalo nem motivo de vergonha preferir esta ou aquela via de alcançar o prazer, sendo inadmissível que existissem prescrições convencionais – e patriarcais – sobre a melhor forma de as mulheres chegarem ao orgasmo e, pior ainda, de o simularem para satisfação dos parceiros. (...)». 

E o site oficial de Shere Hite: neste endereço.


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