(...)Alguma vez imaginou que a sua vida seria exactamente como foi?Quando era miúda, não. Mas quando comecei a conhecer aquela repressão no Barreiro... Eu fui para o Barreiro muito pequenita, nasci em São Pedro do Sul mas fui para o Barreiro com três anos. E o que se passa é que o meu pai foi para lá primeiro para arranjar trabalho e ficou como operário na CUF. E nessa altura a minha mãe foi com os filhos. E foi aí que eu cresci... uma vida difícil. Fiz a quarta classe e depois comecei a tentar arranjar coisinhas para ajudar os meus pais. Nos primeiros tempos fui para aprendiz de costura, mas aí eu não ganhava. Depois, mais tarde, comecei a ganhar qualquer coisa. Pronto, e depois trabalhei numa fábrica de cortiça, trabalhei também seis meses na CUF, mas antes disso comecei logo a sentir as dificuldades todas. O meu pai, como operário, não podia ganhar muito e a minha mãe não podia trabalhar e começámos a ver que passávamos mal, como é natural. Mas não foi só passar mal. Foi ver que havia uma grande repressão junto dos trabalhadores. Na própria fábrica havia um posto da GNR onde a PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado] interrogava pessoas, trabalhadores. Portanto, comecei a viver nessa [realidade], até que um irmão meu, o Alfredo, entrou no MUD [Movimento de Unidade Democrática] Juvenil, e eu acabei por lhe seguir os passos. Comecei a não me conformar com a vida que levávamos e com a situação das pessoas, do povo explorado, e acabei por me integrar naquele trabalho. Depois comecei a fazer coisas, como pichagens nas paredes, distribuir panfletos e mais tarde entregar o Avante! em certas casas, mas também encontros, manifestações. Não me podia rever naquela situação e por isso é que entrei na luta. Mais tarde, o meu irmão foi preso, quem me diria a mim que seria eu também a seguir.
Ser mulher fez diferença nesse percurso? Diferença de tratamento? Sim, é evidente. Uma mulher era muito mais explorada. Ainda hoje sabemos que há essa diferença. Mas mesmo assim, sendo mulher... por exemplo, a gente vivia na clandestinidade. Podiam-se fazer tarefas na clandestinidade, todos os homens podiam fazer as tarefas que lhes cabiam. As mulheres não. Estavam mais restritas a certas coisas. Porquê? Porque uma mulher não podia andar de noite na rua. Uma mulher não podia sair sozinha, porque era logo chamada de não-sei-quantos. Havia sempre esses condicionalismos… E mais exploradas, é evidente. Ganhávamos muito menos que os homens.
E continuam a ganhar.É verdade. Infelizmente ainda temos esse problema para resolver. Mas já resolvemos alguns. Aquelas lutas das miúdas enfermeiras para poderem casar… Todas essas coisas foram conseguidas com muito custo, com muita luta. (...)
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Uma nota pessoal: há uns tempos num encontro centrado nas mulheres proporcionou-se fazermos uma intervenção em que entre outras matérias sublinhámos, o que aliás é mote deste blogue, a força da cultura e das artes para a(s) IGUALDADE(S). E não é que no fim Conceição Matos, com quem nunca tínhamos falado, que estava na assistência, nos veio incentivar para continuarmos a mostrar a justeza do que tínhamos defendido! Com uma jovialidade e empenho de fazer inveja (boa!). Pequenos gestos de «gente, gente» que fazem diferença. Não esquecemos, e já nos temos lembrado daquele momento quando por algum motivo nem nos apeteceria argumentar perante audiência que sabemos mais pessimista...
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