Começa assim: «A literatura e a realidade por vezes não se encontram. Às vezes aquilo que é traçado nas letras é mais justo que aquilo que ocorre na verdade. Nas linhas de Jorge Luis Borges no conto A Lotaria da Babilónia, o sorteio servia para tornar todos os homens e mulheres iguais durante a vida.
«Como todos os homens da Babilónia, fui procônsul; como todos,
escravo; também conheci a omnipotência, o opróbrio, os cárceres. Olhem: à minha
mão direita falta-lhe o indicador. Olhem: por este rasgão da capa vê-se no meu
estômago uma tatuagem vermelha: é o segundo símbolo, Beth. Esta letra, nas
noites de lua cheia, confere-me poder sobre os homens cuja marca é Ghimel, mas
sujeita-me aos de Aleph, que nas noites sem lua devem obediência aos de Ghimel.
No crepúsculo do amanhecer, num sótão, jugulei ante uma pedra negra touros
sagrados. Durante um ano da Lua, fui declarado invisível: gritava e não me
respondiam, roubava o pão e não me decapitavam. Conheci o que ignoram os
gregos: a incerteza.»
Na realidade, os ricos não conhecem a incerteza e o jogo é
sobretudo um expediente dos pobres sonharem com uma existência diferente.
Os pobres jogam, nesta sociedade, porque os convenceram que é a
única forma de a sua vida ser melhor. Os ricos não precisam de jogar à
raspadinha. Já mandam. A sua vida não está sujeita à sorte: têm o dinheiro para
a comprar. (...)»
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