sábado, 30 de outubro de 2021

SE PUDER NÃO PERCA UMA ENTREVISTA A JESSICA ATAÍDE NO SEMANÁRIO EXPRESSO | onde nomeadamente a futebolista refle sobre discriminação ... | A NOSSO VER VALE MAIS DO QUE MUITOS DISCURSOS

 


Montagem a partir do trabalho do semanário Expresso desta semana: TEXTO HUGO TAVARES DA SILVA FOTO JOSÉ FERNANDES

Excerto:

(...)Quando começaste, era malvisto uma rapariga jogar futebol?

Sim, sem dúvida alguma. Eu digo que sou atleta, que sou desportista, e perguntam o que faço: “Jogo futebol.” “Futebooool?” [inclina a cabeça e torce o nariz]. Ou seja, não está completamente ultrapassado, mas é algo que se vai ultrapassando passo a passo. Aqui estamos nós, jogadoras, a lutar todos os dias para contrariar esse pensamento, essa discriminação que ainda existe. Mas estamos a trabalhar no bom sentido.

Ouviste coisas feias?

Sim. Claro que sim. Até há pouco tempo. Eu jogava em Portugal e lembro-me de ter ouvido comentários de todo o tipo. Até racistas [vai sorrindo durante a resposta]. Lembro-me de ir jogar ao Norte e ouvir “preta, vai para a tua terra”. Quando estava em Braga, num jogo para a Taça, fora, ouvi um comentário racista, olhei para a bancada e abanei a cabeça. Era uma bancada muito próxima. Quando abanei a cabeça, uau, ainda foi pior. Existe [racismo]. Eu sou um bocadinho positiva em relação a isso, sinto que há uma melhoria. Se calhar, as pessoas têm mais medo, estão mais expostas, há televisões, há câmaras. Mesmo assim, algumas não têm vergonha nenhuma e continuam. Acredito que isso seja erradicado se tivermos os melhores mecanismos para punir os indivíduos que não pertencem ao futebol. Uma pessoa que tenha qualquer tipo de comentário racista, xenófobo ou homofóbico não é bem-vinda à modalidade.

Contaste isso com um sorriso. Mas não te afetou?

É um sorriso de... é tão triste que ainda existam pessoas capazes, em pleno século XXI, de terem atitudes discriminatórias de todas as formas. É triste, revolta-me. Revolta-me quando acontece a algum colega meu, seja futebol masculino ou feminino, porque podia ser eu. Deixa-me triste. Não é normal que no futebol, num espetáculo desportivo, em que toda a gente se devia divertir e apoiar a equipa, estejamos mais preocupados em ofender e insultar.

Sendo mulher e negra, sentes mais pressão para ser um exemplo? Sentes uma responsabilidade acrescida?

Eu não sinto o peso, sinto orgulho. Dá-me algum gozo ser negra, futebolista e ter algum sucesso. Quero mostrar que também podemos. É uma responsabilidade que me enche o peito e digo “eu consigo”, “nós conseguimos”. Sinto até que sou uma causa. Gosto de mostrar que nós, mulheres, e eu sou negra, conseguimos e podemos lutar pelos nossos sonhos e contra qualquer tipo de discriminação. Ainda há um preconceito muito grande, e nós, jogadoras de futebol e também muitas outras desportistas, temos rótulos e mais rótulos. Temos de desmanchá-los. Não é uma prioridade, mas naturalmente. O meu objetivo não é desmanchar o rótulo, é mostrar a essas pessoas que são ignorantes [risos], que não são bem-vindas à modalidade. 

(...)»

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