sexta-feira, 1 de outubro de 2021

TATIANA SALEM LEVY | «Vista Chinesa»

 



«Autora multipremiada, vencedora do Prémio São Paulo de Literatura, do English Pen Award e finalista do prémio Jabuti. Antes de uma reunião de trabalho, Júlia sai de tarde para correr e, enquanto sobe o trajeto para a Vista Chinesa, o famoso miradouro no parque natural da Tijuca, em plena cidade do Rio de Janeiro, desligada do mundo e de headphones nos ouvidos, um homem de mãos enluvadas surge repentinamente, encosta uma pistola na cabeça dela e arrasta-a para o meio da mata. Júlia é violada. Sobrevive. Anos depois, já mãe, recorda o horror vivido e as sequelas daquela terça-feira de 2014 — a dor, a raiva, o medo de acusar um inocente e a força redentora da vida que continua. «A partir do momento em que começamos a ler, já não é possível parar. Uma poderosa celebração da vida. Pode pedir-se mais da literatura?» — José Eduardo Agualusa Relato de uma história real de violação, Vista Chinesa é um romance perturbador, corajoso e necessário, que reflete sobre a violência ancestral contra a mulher e a transforma em grande literatura. Um livro que incomoda, de rara qualidade literária, e que foi recebido de forma entusiástica pela crítica». Tirado daqui.


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Sobre o livro, do que se pode ler no semanário EXPRESSO desta semana:

«(...)A estrutura narrativa não é propriamente original. Cinco anos após os factos, Júlia decide escrever uma longa carta aos dois filhos, menina e menino de três anos, contando-lhes tudo, como nunca contara antes a ninguém. Isto é, voltando ao lugar e ao tempo da violação, uma e outra vez, acrescentando pormenores, em busca da verdade total do acontecimento traumático. “Me veio essa ideia dos detalhes. Que a cura talvez venha pelos detalhes. São os detalhes que vão me livrar do todo. A posição exata de cada árvore, o cheiro exato de cada folha, a quantidade exata de passos que nós caminhamos na mata, eu e o desconhecido.” Entre esses fragmentos, por vezes quase insuportáveis, mas de um impressionante fulgor literário, surgem em catadupa outros vislumbres de tempos diversos: memórias de uma infância disléxica; as relações com a família e a analista; o inquérito policial fastidioso; o receio de incriminar o homem errado; a dificuldade de fixar o rosto do violador (“a lembrança escapava, tal como uma imagem que nos ocorre no meio da noite e que torna a escurecer rapidamente caso tentemos agarrá-la”); a “certeza da solidão” diante do trauma; a forma como aquela terça-feira ficou indelevelmente impressa no corpo, escrita na pele; o olhar sobre a cidade do Rio de Janeiro e suas transformações, de algum modo paralelas ao percurso de Júlia; e sobretudo a trajetória de reconstrução identitária de uma mulher em ruínas. 

Essa reconstrução inicia-se durante uma viagem ao México, em que não só se volta a ligar ao companheiro, Michel, como faz o necessário luto por si mesma (ou pela parte que deixou na mata dos horrores), no fim de um transe alucinogénico de contornos quase mágicos, após consumo de peiote. Algumas belíssimas cenas de sexo, de alguma maneira o reverso luminoso da violação, oferecem uma espécie de consolo e equilíbrio — também a nós, leitores, que ficámos dolorosamente expostos, através de Joana, ao tenebroso e incerto rosto do mal, “rosto que a gente nunca lembra mas não consegue esquecer”. / JOSÉ MÁRIO SILVA


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