segunda-feira, 29 de julho de 2024

«Dois Limões em Férias é uma obra insólita, surrealista, ilógica. Mas é uma obra que dá satisfação, que faz sorrir e que nos permite vislumbrar bons mundos e alternativas belas na imensidão de um lago azul. Não sendo verdadeira, ainda bem que foi inventada. E o melhor é que raríssimas vezes pode ser apreciada ao vivo, mas neste momento encontra-se à vista de quem quiser. Mesmo a tempo do Verão»

 

Dois Limões em Férias, de António Dacosta.

«Técnica mista sobre papel #2 – A sensualidade de dois limões

Ninguém espera por uma coisa destas, até acontecer. Não parece verdadeiro, mas podia ser e até gostávamos. Ao estilo displicente do italiano: se non è vero, è ben trovato. São as palavras que me ocorrem perante a pintura Dois Limões em Férias, de António Dacosta.

É um óleo sobre tela de 1983, cujo título, ainda que insólito, reporta exactamente ao que vem. Nem sempre acontece. Mas aqui, são mesmo representados dois limões amarelos, lado a lado, num ambiente refrescante de tons azuis, possivelmente à beira de um lago. Segundo Dacosta: “Não sei como aqueles limões foram ali parar. Não estavam inicialmente previstos. […]. Os quadros são sempre a resposta iludida, furtam-se à intenção”. A intencionalidade primeira desta pintura não saberemos. Mas a existência de uma pintura que leva dois fragrantes limões de férias é o melhor que nos podia acontecer. Porque mostra uma das admiráveis, também, intenções da disciplina da pintura: dar a ver. Perante esta obra de Dacosta, podemos recomeçar a ver. Dois limões são tão figurativos e povoadores de uma paisagem estival, quanto qualquer um de nós. Sendo inteiramente justa, os dois limões podem ser bastante mais merecedores de férias do que muitos de nós. O Verão é uma época de intensivo trabalho para estes citrinos. Limonadas, temperos de saladas, gin tónicos ao final da tarde. Limões também precisam de uma brisa à beira-mar, ou um mergulho no sossego de um lago.

Há uma naturalidade galante na pose dos dois limões, situados no canto inferior esquerdo da composição, juntos, fitando o horizonte amplo do lago. O azul acinzentado, que ocupa quase por completo a inteireza da tela, devolve uma serenidade à cena. O lago parece efectivamente calmo. Os limões, pela posição que ocupam na tela, aparentam fitar o barco a remos com uma figura humana que ali passa. Os remos são longos, e quase que desenham uma linha de horizonte que cria ainda maior planura nesta vista azul. Ao fundo, no canto superior direito, adivinha-se um corpo estranho, talvez seja um papagaio de papel, já que estamos em lides veranis.

Os limões, de cor amarela forte, são sensuais. No sentido em que provocam sensações. A luminosidade vibrante com que se destacam, anima-nos. Desperta-nos felicidade, liberta fragrância cítrica, revitaliza o plano calmo azul dando-lhe uma enfâse enérgica e fresca. O Verão é época de leveza, e o surgimento destes dois limões plenos e radiantes traz frescor. Os limões tornam a cena airosa. É uma pintura prazerosa, e é uma pintura que evoca liberdade. Dos limões, que estão isentos de funções mundanas, e de quem a pintou, que não sabe explicar como eles ali foram parar.

Dois Limões em Férias é uma obra insólita, surrealista, ilógica. Mas é uma obra que dá satisfação, que faz sorrir e que nos permite vislumbrar bons mundos e alternativas belas na imensidão de um lago azul. Não sendo verdadeira, ainda bem que foi inventada. E o melhor é que raríssimas vezes pode ser apreciada ao vivo, mas neste momento encontra-se à vista de quem quiser. Mesmo a tempo do Verão.

Encontra-se no MAAT — Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, na exposição Hoje soube-me a pouco. Até dia 26 de Agosto de 2024».


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