sábado, 27 de julho de 2024

FREI BENTO DOMINGUES|«Fora do Diálogo não há Salvação»

 


Sinopse

Sobre Frei Domingues escreveu Lídia Jorge: «é um poeta que escolheu à partida a luz do princípio iluminado, e fez dele o seu método de clareza». O presidente Jorge Sampaio referiu-se-lhe como «homem de coragem, quando ter coragem significava correr pesados riscos, homem de diálogo quando dialogar equivalia a ficar sob suspeita, homem de convicções mesmo ou sobretudo quando elas não eram dominantes».
São duas das muitas facetas de uma pessoa extraordinária, um monge dominicano que, para os organizadores deste volume, «pratica uma teologia desprovida de seguranças e de vigilâncias institucionais» e possui uma qualidade a que os seus leitores são muito sensíveis: a palavra livre.
Contrariando os que preferem ver o discurso teológico dentro dos muros do privado, Frei Bento Domingues concebe o seu discurso teológico como participação na vida coletiva, mas sem nunca entrar no «mercado contemporâneo das espiritualidades», porque não se oferece para «múltiplas traduções do discurso crente em ideologias do bem-estar interior».
Na entrevista que encerra este volume, Frei Bento Domingues diz a frase que lhe dá título e que resume a sua prática pessoal de muitos anos, e com muitos interlocutores: «fora do diálogo não há salvação». Este é o método que Frei Bento Domingues nos desafia a usar na nossa relação com Deus e com o Mundo. Saiba mais.

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A propósito, se puder,  não perca a entrevista de Frei Bento Domingues no semanário Expresso: 


De lá: «(...) Hoje em dia, o Papa Francisco também tem essa capacidade de mudança?

Acho muita graça que, antes do João XXIII, o Vaticano era conhecido por estar sempre contra as ideias novas, tanto vindas da Igreja como de fora. E devo dizer que o Papa Francisco retomou esse homem [Papa João XXIII], num estilo diferente. As pessoas acham muito que o Papa Francisco tem um grande sentido de humor, mas o Papa João XXIII é que era o humor. Quando lhe perguntaram: “Quanta gente trabalha aqui no Vaticano?”, respondeu: “Mais ou menos metade.” Para tudo, ele tinha respostas humorísticas. E atuava e atuava e atuava... Meu Deus. Agora, como já na altura de João XXIII, a extrema-direita e a direita querem que não apareçam mais Papas como João XXIII e como o Papa Francisco. E estes movimentos que existem contra o Papa Francisco são movimentos financia­dos pelo grande capital, para que não apareça este tropeço que são estes Papas. Muitas vezes até tínhamos medo de escrever, porque o Vaticano era todo conservador. Mas agora não é assim. De repente, esta é a situação atual: a vanguarda da Igreja passa a ser o próprio Papa. Quer dizer, o que se temia era sempre a cúria romana e tudo isso, as condenações foram tantas. Proibiram teólogos, sobretudo de países do Terceiro Mundo, mas também do centro da Europa. Excomungavam-nos, punham-nos fora. Mas agora é o contrário. [O Papa Francisco] procurou pessoas que sejam capazes de sair para um futuro diferente. A Igreja de saída, como se costuma dizer. E depois, repare, quantas vezes ele não morreu já durante este tempo? Dizem: “Ah, ele está com uma doença, agora vai...” E não, ele persiste. Acho que está a fazer uma coisa que é extraordinária: o diálogo com os muçulmanos, o diálogo com os judeus, o diálogo com todos... É ele. Ele quer uma Igreja aberta a todas as tendências, a todos os grupos. Só uma vez disse: “Da direita eu não sou, nunca fui.” E é verdade.

Fazem falta mulheres na Igreja?

Tenho uma teoria sobre isso, já escrevi várias vezes. Acho absolutamente estúpido que por se ser mulher não se tenha acesso aos vários ministérios na Igreja. Acho uma coisa horrorosa, e o meu argumento é muito simples: não há dois batismos, um para mulheres e outro para homens. Para nós, que acreditamos em Deus, as mulheres são seres extraordiná­rios que encontramos. Não sou capaz de perceber, porque eu era de uma aldeia onde havia um casal em que eram maus um para o outro. Mas as pessoas até desprezavam isso, achavam-nos tolos. Agora, porque é que este Papa não faz realmente uma proposta não só de abrir mas também de discutir as coisas todas da Igreja? Era necessário recuperar séculos de mulheres desprezadas. E porque é que ele não o faz? Eu creio que muitas vezes as pessoas não ligam a isso, mas o Papa João Paulo II disse: “As mulheres nunca, nunca.” Ora, este Papa [Francisco] sucede a esse e não pode dizer [o contrário], isso era uma revolução. Porque ele tem dito muitas coisas que dizem que não se pode dizer... E aqui, neste caso, tropeça sempre. Dá cargos a mulheres no Vaticano, está a abrir muita coisa. Mas serem ordenadas presbíteros, quer dizer pessoas que podem presidir à eucaristia e tudo... Isso não. Muita gente não compreende, mas eu compreendo. Se um Papa tão vizinho no tempo fizesse isso, então não seria uma evolução, seria insuportável. Não é para desculpar o Papa Francisco, mas ele tem aí um nó na garganta que não é capaz de desatar. O que me irrita nisso é que as pessoas dizem: “Ai, isso... Cristo não ordenou nenhuma mulher.” Mas esta gente em que mundo vive? Porque, sob o ponto de vista social, económico e político, as mulheres têm dificuldades, mas já estão a caminho. E então a Igreja fica para trás na renovação? Não pode ser. Creio que o grande problema é contrariar abertamente. E também é necessário dizer que há muitíssimos católicos e católicas que não querem sequer ouvir falar disso. Não há uma unanimidade na Igreja acerca disso. «(...)».


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