Sobre o filme do que escreve Jorge Leitão Ramos no semanário Expresso: «(...) De algum modo, a história de uma paixão entre um médico antifascista e uma jovenzinha burguesa, universitária e desenvolta, dissolvida na corrupção de um regime político, transmuta-se em algo com ímpetos operáticos, ondas alterosas, sopros de morte e desespero, de resto orquestrados na banda sonora, com a guitarra portuguesa a ser progressivamente dominada pelo vigor de Puccini. O desaparecimento do narrador — onde o texto da novela estabelecia uma fria distância intermediada entre o leitor e a história — também ajuda a acelerar os sentimentos e a frear a racionalidade. Espera-se que o espectador vibre, mais do que rumine. Um dia, alguma tese universitária há de debruçar-se com detalhe sobre esse processo de transição e sopesar o que se perdeu e ganhou na moldagem. Esqueçamos, então, um pouco a literatura de origem, neste momento o que interessa é que temos filme — e de boa catadura.
Nisto de agarrar o ar de um tempo e das gentes que o habitam, nada como tê-lo vivido. Mário Barroso viveu-o e conseguiu talento para o devolver com precisão nos detalhes e na respiração dos personagens, na própria escolha do preto e branco para materializar uma época que não era só cinzenta no dia a dia, era assim na maioria das imagens que, ao tempo, dela víamos e hoje ‘memoramos’. Também acertada é a escolha dos atores, todos em equilibrado desempenho. Particularmente gratificante é ver, enfim, Júlia Palha com um papel a pedir-lhe mais do que a beleza física onde se destaca; os diálogos (sobretudo os de sedução) entre ela e Francisco Froes são de uma enunciação preciosa, a partir de uma escrita refinada (tendo, na base, a fidelidade a Cardoso Pires). Nuno Lopes tem a segurança do ator que incorpora qualquer papel, mesmo se a metamorfose é invisível, correndo o risco de alguém dizer que ele faz igual àquilo que é. Àquilo que é? Pois sim... Já Diogo Infante, dá ao seu personagem nefando o gás arrogante e melífluo de quem tem um verdadeiro poder sobre todos. Pires punha-o a andar de Mercedes e a beber cerveja com o marisco, Barroso concede-lhe champanhe e um Karmann Ghia, o que lhe acrescenta algum panache, convenhamos, mais perto do protagonista de “O Delfim” que do Sapo da novela “Lavagante”. Menos pide e mais marialva, menos bruto e mais sinistro, voilà!.».

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