domingo, 7 de maio de 2023

ASSINALEMOS O DIA DAS MÃES COM CINEMA | «MAL VIVER | VIVER MAL» | Porque : «Mal Viver, Prémio do Júri em Berlim, e o seu reverso Viver Mal chegam quinta-feira às salas. Um olhar impiedoso sobre mães que secam a vida daqueles que geraram. O olhar cinematográfico de João Canijo» | RETIRADO DO TEXTO DE JORGE LEITÃO RAMOS NO SEMANÁRIO EXPRESSO DESTA SEMANA




Excerto do trabalho de Jorge Leitão Ramos:

«(...) Agora já é outra coisa.” E é terrível, o retrato dos laços parentais no feminino que o díptico traça, mães impossíveis que fazem o deserto em volta. “Sou eu que acho: as mães, por muito bem que tentem fazer, acabam sempre por asfixiar os filhos e, mais ainda, as filhas. As avós dão cabo da vida das filhas e as filhas acabam por dar cabo da vida das netas, num ciclo imparável. É uma minha ideia.” Capital é a figura de Piedade, central em “Mal Viver”, seca de afetos, por um lado odiosa, por outro personagem de tragédia, que a atriz desempenha sob um capuz facial de fechamento, com um cãozinho como fetiche, nada de psicologia. Depois, o seu desempenho profissional no serviço aos clientes, aquele descrever dos vinhos, o linguajar de escanção como máscara, acaba por funcionar como suplementar cortina sobre a sua verdade interior que nunca conheceremos. Só o desespero, lá para o fim. É o amor condicional de uma mãe, por contraste com o amor incondicional de “Sangue do Meu Sangue”? “O amor dela não me parece que seja condicional, a ansiedade é que a impede de mostrar que é incondicional e de amar de uma forma natural. Tem tanto medo da vida, quer controlar tanto tudo e sente uma responsabilidade tão grande por ser mãe que, embora tenha sido, provavelmente, uma mãe quase perfeita, foi uma mãe que não soube transmitir amor à filha.” Mas há outras mães, sobretudo em “Viver Mal”. “Há uma que não aparece, uma mãe-galinha (a mãe de Jaime/Nuno Lopes, na voz telefónica de Lourdes Norberto), quer continuar a ter o filho para ela o tempo todo; há a Elisa/Leonor Silveira, megera intratável; é há a Judite/Beatriz Batarda a fazer uma projeção tão grande das suas frustrações na filha que a impede de viver.” Sempre famílias de catástrofe.Os dois filmes têm estruturas e tonalidades muito diferentes. Embora ambos sejam conjugados em modo de verificação dos infernos das relações parentais e sentimentais, “Mal Viver” é um covil, um huis clos, cromaticamente sombrio, um lugar de dilaceração, enquanto “Viver Mal” é mais aberto, solar (ambos a mostrar a versatilidade e a inteligência dramática da direção de fotografia de Leonor Teles) — “e dá para rir”, lembra Canijo, embora seja um riso fero, convenhamos. A ideia de fazer uma obra em duas portadas estava presente desde o início dos trabalhos. “A produção teve duas etapas. A ideia inicial era fazer dois filmes, se o hotel pudesse ter clientes. Ter clientes implicava mais dinheiro. Por isso, só quando o financiamento acrescido chegou é que se pôde concretizar o ‘Viver Mal’. Já estávamos muito avançados — nem sei se não tínhamos já terminado — os ensaios de construção do ‘Mal Viver’. Podia perfeitamente passar-se num hotel vazio. Com clientes, ganha outra dimensão e outra intensidade, porque elas não estão a viver numa bolha, completamente sozinhas, estão, quer queiram, quer não, a ser observadas pelos clientes.” Para as histórias dos três grupos de hóspedes, o realizador usou outras tantas peças de Strindberg, “Brincar com o Fogo”, “O Pelicano” e “Amor de Mãe”. E o labor sobre os textos não teve a amplitude do método do outro filme. Neste “os atores de cada núcleo leram atentamente a peça que lhes correspondia e o trabalho deles foi adaptar os personagens a si mesmos. ‘O Pelicano’ nem se afasta muito da peça do Strindberg”. (...)».

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E, se puder, não perca o texto de Jorge Leitão Ramos na integra. E, claro, os filmes. 



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