domingo, 29 de setembro de 2024

LAURIE ANDERSON | fala-nos do seu trabalho e leva-nos a Amelia Ear­hart | EM ENTREVISTA NA REVISTA DO SEMANÁRIO EXPRESSO




Agora, indo ao Expresso a entrada no trabalho é esta:

Aos 77 anos, Laurie Anderson continua a escolher dedicar-se a coisas que não sabe (ainda) fazer. Em entrevista, fala com entusiasmo (e cautela) sobre a inteligência artificial e sobre 
o reality show em que Trump transformou a política americana

POR João Lisboa

Mais alguns excertos:
«(...) Trabalhar com uma orquestra transformou de alguma forma o seu modo habitual de encarar a música, o spoken word e a relação entre ambos? A fronteira entre a fala e o canto manteve-se, mas, aqui, permitindo que, como nunca antes, este fosse invadido pela orquestra...
Trabalhar com orquestras é fascinante, porque damos connosco a ter de lidar com aquele imenso corpo sonoro orgânico. É como uma espécie de paisagem. Se lhe acrescentarmos a dimensão tecnológica, abre-se um universo de possibilidades ainda maior: tanto nos permite concentrar em detalhes ínfimos como alargar o ângulo sobre vastos espaços abertos. Além disso, também cometemos algumas heresias, como, por exemplo, gravar baixo e bateria em último lugar, ao contrário do que é habi­tual. Usei a história de Amelia Ear­hart como estrutura narrativa, incorporando simultaneamente referências ao voo, ao desaparecimento e à comunicação.

“Amelia” reflete, mais uma vez, o seu interesse na combinação de elementos pessoais, históricos e míticos na criação de peças totalmente contemporâneas, mas de modo algum prisioneiras do seu tempo...

A Amelia Earhart é, simultaneamente, uma heroína e um mito. Uma figura de exploradora corajosa que pretendeu romper limites mas que, ao mesmo tempo, se deixou capturar no espaço entre o sucesso e a extinção. Há qualquer coisa de muito perturbador nas últimas transmissões de rádio dela (um motivo que pontua todo o álbum), enviadas para o vazio, fragmentos de som que ficaram perdidos no ar, à deriva na vastidão. A voz dela estava lá, mas inatingível. E falava-nos do medo de se sentir irremediavelmente perdida, de, pela quebra de comunicação, desaparecer sem deixar rasto.
(...)O seu interesse pelo uso da tecnologia como ferramenta indispensável no seu trabalho de criação foi sempre muito evidente. Atualmente, com os mais recentes desenvolvimentos no campo da inteligência artificial, continua a pensar do mesmo modo em relação a ela?
Adoro a inteligência artificial, usei-a imenso em “Amelia”. Particularmente, os modelos de linguagem do Machine Learning Institute, em Adelaide, na Austrália, onde sou artista residente. Tudo o que eu, desde sempre, escrevi, gravei ou disse foi alojado num supercomputador. O que me permitiu, de certo modo, colaborar comigo mesma. É uma ideia muito interessante, com imenso poten­cial para dilatar os limites da atividade artística. Por outro lado, deixei de ser tão otimista quando me apercebi de que a realidade começou a transformar-se em algo bizarro, opcional. A IA pode ser-nos muito útil, mas teremos de estar muito atentos ao caminho por onde nos irá conduzir e àquilo que, por aí, poderemos ir perdendo. E também me arrepia o facto de ela fazer parte da enorme e aterradora cultura da vigilância que rasteja atrás de nós e do elevadíssimo e perigosíssimo potencial para gerar desinformação que contém.
(...)A Laurie nunca aderiu muito a fazer grandes declarações panfletárias acerca da situação política nos EUA e no mundo em geral. Mas há casos em que, de tão extremos, é praticamente impossível deixar de manifestar uma opinião. Donald Trump é, sem dúvida, um deles...

Trump é um sintoma de uma doença muito mais generalizada de medo e desinformação. É um performer, mas o problema de fundo é saber o que lhe permitiu conquistar tamanha popularidade. Ele transformou a política num reality show. É completamente absurdo. Vemos aquela enormidade a desenrolar-se perante os nossos olhos e perguntamo-nos como foi aquilo possível. As palavras podem construir pontes ou podem derrubá-las. O que Trump tem feito é usar a linguagem para dividir e criar inimigos. O oposto da empatia. A democracia é frágil, e a era Trump mostrou-nos quão fácil é ameaçá-la. É um grito de alerta para nós, artistas, e para qualquer pessoa que se preocupe com a verdade e a justiça. Aquela criatura acredita que as mulheres são estúpidas e idiotas, e isso aterroriza-me! (...).

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O site oficial de Laurie Anderson - aqui.

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