Aos 77 anos, Laurie Anderson continua a escolher dedicar-se a coisas que não sabe (ainda) fazer. Em entrevista, fala com entusiasmo (e cautela) sobre a inteligência artificial e sobre o reality show em que Trump transformou a política americana
POR João Lisboa
«(...) Trabalhar com uma orquestra transformou de alguma forma o seu modo habitual de encarar a música, o spoken word e a relação entre ambos? A fronteira entre a fala e o canto manteve-se, mas, aqui, permitindo que, como nunca antes, este fosse invadido pela orquestra...
“Amelia” reflete, mais uma vez, o seu interesse na combinação de elementos pessoais, históricos e míticos na criação de peças totalmente contemporâneas, mas de modo algum prisioneiras do seu tempo...
Adoro a inteligência artificial, usei-a imenso em “Amelia”. Particularmente, os modelos de linguagem do Machine Learning Institute, em Adelaide, na Austrália, onde sou artista residente. Tudo o que eu, desde sempre, escrevi, gravei ou disse foi alojado num supercomputador. O que me permitiu, de certo modo, colaborar comigo mesma. É uma ideia muito interessante, com imenso potencial para dilatar os limites da atividade artística. Por outro lado, deixei de ser tão otimista quando me apercebi de que a realidade começou a transformar-se em algo bizarro, opcional. A IA pode ser-nos muito útil, mas teremos de estar muito atentos ao caminho por onde nos irá conduzir e àquilo que, por aí, poderemos ir perdendo. E também me arrepia o facto de ela fazer parte da enorme e aterradora cultura da vigilância que rasteja atrás de nós e do elevadíssimo e perigosíssimo potencial para gerar desinformação que contém.
Trump é um sintoma de uma doença muito mais generalizada de medo e desinformação. É um performer, mas o problema de fundo é saber o que lhe permitiu conquistar tamanha popularidade. Ele transformou a política num reality show. É completamente absurdo. Vemos aquela enormidade a desenrolar-se perante os nossos olhos e perguntamo-nos como foi aquilo possível. As palavras podem construir pontes ou podem derrubá-las. O que Trump tem feito é usar a linguagem para dividir e criar inimigos. O oposto da empatia. A democracia é frágil, e a era Trump mostrou-nos quão fácil é ameaçá-la. É um grito de alerta para nós, artistas, e para qualquer pessoa que se preocupe com a verdade e a justiça. Aquela criatura acredita que as mulheres são estúpidas e idiotas, e isso aterroriza-me! (...).
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