Como muitas pessoas saberão, já que Dulce o partilhou publicamente, a doença da sua mãe trocou-lhe as voltas e os planos, e levou-a a adiar a escrita da sequela do livro “Eliete”, um dos seus mais brilhantes romances, um caso sério de popularidade, aclamado pela crítica e pelos leitores, que venceu o Prémio Oceanos em 2019 e foi finalista do Prémio Femina.
Dulce escolheu, junto da sua família, estar mais próximo da sua mãe e dedicar-lhe mais tempo, carinho e cuidado, nos últimos anos de vida.
Decidiu ser um abraço mais presente e manter a progenitora na sua casa. Investiu nisso, mudou de morada, procurou ajuda especializada, e não hesitou em adiar projetos e contrariar as demandas e pressões do mercado literário.
Decisões valiosas
Fé-lo porque podia, claro. Mas tal decisão é tão humana e valiosa num mundo que nos faz crer que os velhos são estorvos (porque já não trabalham e são mais dependentes) e o que mais importa nesta vida é o dinheiro, o sucesso profissional, os bens materiais e o aparecer e aparentar a perfeição e a juventude nas redes sociais. Uma treta do capitalismo que importa contrariar e desmontar.
Já agora, embirro com a expressão “idoso”. Vou tentar escapar a ela neste texto.
Gosto muito da palavra “mayor” que os espanhóis usam para se referirem aos mais velhos. Pessoas maiores em experiência de vida e em sabedoria. E que merecem o nosso carinho, atenção e respeito.
Não tenho a mínima dúvida de que na maioria dos casos as famílias recorrem aos lares, porque não têm outra forma de amparar e cuidar dos seus mais velhos. E sei que há nessas famílias dor e culpa por essa decisão, para a qual não encontram alternativa. Tenho um caso assim na minha família.
E, nessa fase mais vulnerável da vida, as pessoas ‘mayores’ não têm condições para se defenderem de maus tratos e negligência de terceiros.
A escritora Lídia Jorge escreveu sobre este tema inquietante e perturbador, do fim de vida nos lares, no seu sublime “Misericórdia”, pela D. Quixote, vencedor do Prémio Médicis, um dos mais prestigiados da Europa.
Um livro que é um sismo que faz ruir preconceitos, idadismos e corações empedernidos, e que nos dá esperança para o último capítulo de uma vida. Leiam-no se ainda não o fizeram.
Mas, como toda a boa literatura faz, coloca o dedo nas feridas e é também denúncia e voz crítica às tantas violências, grandes e pequenas, e outras perversidades e abandonos que os mais velhos sofrem.
O cardeal e poeta Tolentino Mendonça referiu-se a este livro de Lídia como “um grito que precisa de ser escutado, porque as sociedades têm de se reconciliar com a velhice.” (...)».
«Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores
Prémio Urbano Tavares Rodrigues
Prémio do PEN Clube Português
Prémio Fernando Namora
Prémio Médicis
Misericórdia é um dos livros mais audaciosos da literatura portuguesa dos últimos tempos. Como a autora consegue que ele seja ao mesmo tempo brutal e esperançoso, irónico e amável, misto de choro e riso, é uma verdadeira proeza.
Não são necessárias muitas palavras para apresentá-lo - o diário do último ano de vida de uma mulher incorpora no seu relato o fulgor das existências cruzadas num ambiente concentracionário, e transforma-se no testemunho admirável da condição humana.
Isso acontece porque o milagre da literatura está presente. Nos tempos que correm, depois do enfrentamento global de provas tão decisivas para a Humanidade, esperávamos por um livro assim. Lídia Jorge escreveu-o». Saiba mais.


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