sábado, 5 de novembro de 2022

HOJE ÀS 18:00 NO TMJB COMEÇA O CICLO DE CONVERSAS A PROPÓSITO DA PEÇA EM CENA «O MEDO DEVORA A ALMA» | destacamos a participação de Maria Teresa Horta num dos dias mas valorizando o todo | AVALIE POR SI

 


E sobre a peça, a critica de Domingos Lobo, no jornal Avante!, faz-nos uma descrição abrangente que nos leva ao valor do que nos é possível aceder com o espectáculo. Vejamos um excerto:

Ainda, de Domingos Lobo, mais esta passagem:

«Emmi e Ali casam e ar­rastam nesse acto co­ra­joso todos os cla­mores, ódios e frus­tra­ções de uma so­ci­e­dade pro­fun­da­mente do­ente, ainda fe­rida no seu or­gulho de raça su­pe­rior, her­dado do seu fu­nesto e trá­gico pas­sado. São ainda os restos dos dis­cursos do ódio, das ob­so­letas som­bras que per­sistem num país a tentar li­bertar-se dos es­pec­tros que o li­mitam, que irão cons­truir o cerco em torno dos amantes. Mais do que a es­tra­nheza da di­fe­rença de idades entre os amantes, é o ódio em re­lação ao Outro, o es­tranho, o es­tran­geiro, esse lixo que, em­bora útil, está a in­vadir de novo o es­paço limpo de uma Ale­manha a er­guer-se do seu ato­leiro his­tó­rico. Para os ale­mães, os mar­ro­quinos são cães, dirá Ali. Temos de ser bons, dirá por sua vez Emmi, se não a vida não vale nada.

Não é o dis­curso entre o bem e o mal que Fas­s­binder en­cena neste texto car­re­gado de si­nais per­tur­ba­dores sobre o tempo dos mons­tros é, so­bre­tudo, uma pa­rá­bola as­ser­tiva e cí­nica sobre o modo como os ou­tros nos olham, in­vadem a nossa in­ti­mi­dade e nos tentam con­trolar e sub­meter; con­finar em novos guetos o nosso di­reito à li­ber­dade e as es­co­lhas que fa­zemos, mesmos quando essas de­cli­na­ções são ge­radas pelo ódio ao que é di­fe­rente, ao que pensa e age de modo di­verso, às suas crenças, há­bitos e cul­tura. Essa gente suja, dirá uma per­so­nagem, Ali, toma banho todos os dias, con­tra­porá Emmi.

Afinal o pre­con­ceito existe, ge­rando a ir­ra­ci­o­na­li­dade que conduz ao ódio - e essa é uma visão per­tur­ba­dora de uma re­a­li­dade con­ta­mi­nada por in­te­resses ex­te­ri­ores ao pro­le­ta­riado, que José Sa­ra­mago também de­sen­volve em al­guns dos seus ro­mances -, no seio da mesma classe so­cial: as mu­lheres da lim­peza, os fun­ci­o­ná­rios pú­blicos, os pe­quenos co­mer­ci­antes, a mão-de-obra ba­rata e sem di­reitos e o sub-mundo de pro­xe­netas e pros­ti­tutas, tão caro a Fas­s­binder, que ele trans­porta para este so­berbo, vi­o­lento e eficaz texto. (...)».

Por fim, não resistimos em  associarmo-nos, em particular, ao «rigor e vir­tu­o­sismo desse mestre do nosso te­atro con­tem­po­râneo que é Ro­gério de Car­valho», referido por Domingos Lobo.



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