Na imagem temos TERESA GAFEIRA a conversar no «Sou Pessoa Para Isso». Fala-se de «Uma Barragem Contra o Pacífico» onde vai ser a mãe de Marguerite Duras. Aproveitemos, para voltarmos ao livro que vai dar ao espetáculo programado pela CTA, a estrear em março 2025:
«Este romance é mais do que uma viagem guiada pelo território nebuloso da memória. É mais do que uma narrativa construída sob o fascínio das letras de Pierre Loti e sob o efeito da descoberta do seu contagiante exotismo. É já o emergir de uma voz pessoalíssima e de uma concepção romanesca que vive muitas vezes paredes meias com o tempo cinematográfico. Uma Barragem contra o Pacífico poderia ser, também ainda hoje (1988), apenas uma visita guiada aos escombros das propagandas coloniais com que se encheram as paredes da Europa no fim do séc. XIX e na primeira metade do séc. XX para os deserdados e os desiludidos dessa mesma Europa, os que simplesmente procuravam (onde?) o seu quinhão da herança de espaço e mundos novos, ou tão só um lugar seu, onde viver e trabalhar, um canto da planície, entre a floresta e o Pacífico, só com o Sol por cima e hectares de terra fértil a perder de vista, onde apenas haveria que produzir, criar uma família (e, naturalmente, enriquecer) sem problemas nem políticas, sem a sensação de desespero e asfixia das metrópoles; para isso, segundo Marguerite Duras, bastava a embriaguês causada pelas leituras de Pierre Loti. Sim, este romance poderia muito bem ser essa visita guiada... Se antes de mais não fosse a evocação daquelas vidas jovens que, no momento de tomarem posse de si e da terra, já lá na colónia, face à monstruosidade insensível do Pacífico e à transparência mesquinha das suas existências de «brancos pobres» sem horizontes, mais não possuem entre mãos e no corpo do que a raiva surda, que só jovens que batam com a cabeça contra um muro tão duro e tão pouco sólido como o Pacífico podem conhecer, uma raiva que é surda porque não há onde nem a quem reclamar contra a fraude. Precisamente porque «a mãe» morre, a lutar até à insanidade, para dar corpo a uma perfeita loucura — uma barragem que detivesse o Pacífico! —, acreditando em si mais do que no sonho, é verdade, e dessa luta inglória retirando todo um orgulho inútil e toda uma liberdade que é só riso da sua própria situação. Será necessário, então, que alguém conte, que não se esqueça, que mantenha uma factura por prejuízos indefiníveis dentro do prazo de validade. É o que Joseph pede a Suzanne, ele que se considera já contaminado, ganho pelas emanações deletérias da vida da colónia, um destroço à deriva nas ruas da capital colonial que, lucidamente, sabe que a sua raiva só contra si próprio se pode exercer e que nenhuma vingança lhe devolveria o respeito por si próprio e a «mãe maluca» mais as suas absurdas contas e as suas barragens sem pés nem cabeça, roídas por todos os sabotadores (incluindo os caranguejos trazidos pela crueldade das marés do Pacífico) das esperanças dos colonos. Só no cinema (melhor: só numa sala de cinema) Joseph encontrará uma saída para a sua raiva, uma solução de vida, colonial e cinematográfica a mais não poder ser. Mas uma adolescência na Indochina é também um cinema sobre a adolescência, erguido por cima dos escombros das vidas dos adolescentes coloniais. Sequência a sequência, neste seu primeiro grande romance, Marguerite Duras dá-nos — como quem recusa a perda dos sonhos de amor e vida dos seus anos juvenis na Indochina e precisasse de os contar, lembrando-se sempre de mais e mais pormenores, mais factos à medida que o passado se perde, para que no fim haja aquilo a que se chama o presente da memória, o presente do passado —, num fundo tropical de noites, plantações, dinheiro, bailes, álcool, com um gira-discos a tocar a Ramona, enquanto um diamante pode ser ainda um último fôlego, os encontros dos desejos com os corpos, ou tão só a poesia do regresso à ordem natural das coisas...». Saiba mais.
O Teatro para a Infância também é conversado, e dá vontade de lembrar a programação para 2025 da CTA/TMJB:
Gostámos em especial do que diz de maneira sábia sobre o que parece «estar na moda»: Teatro interativo e participativo com a comunidade. DE facto anda a falar-se disso como se nunca tivesse acontecido. Reflete, e não se retrai para dizer que não gosta que a «incomodem» quando está a ver um espetáculo, até porque isso, por natureza, já é interativo. Conta retalhos do trabalho de sempre da CTA com a comunidade ... Enfim, uma mulher antiga, cheia de modernidade. A nosso ver, terá de estar em todos os painéis sobre MULHERES INSPIRADORAS. Ou seja, por exemplo, porque adere quando se deseja que se «Conheça a história inspiradora de mulheres que, com fervor e determinação, se dedicaram à defesa das conquistas do 25 de Abril, moldando de maneira profunda a sociedade portuguesa. Navegando destemidamente pelos territórios da política, cultura, ciência e ativismo, essas mulheres, tanto antes como depois da Revolução dos Cravos, desempenharam papéis fundamentais, garantindo que os direitos das mulheres transcendessem as fronteiras da mera retórica» como se ambiciona neste tempo em que se comemora os «50 anos abril». Sobre este aspeto talvez voltar a este post.
Conclusão: não perca esta conversa. Teresa Gafeira não dá muitas entrevistas. E ganhamos em conhecê-la. Institucionalmente há obrigação de lhe dar visibilidade encontrando caminho e critérios para não fazer parte das MULHERES ESQUECIDAS, na circunstância, na cultura e nas artes.
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