sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

NO DIA DOS NAMORADOS |«uma história de amor feliz»

 



No dia dos namorados,
 da newsletter de 
Bernardo Mendonça,
 do Expresso, 
de 8 de fevereiro 2025


«Uma história de amor feliz

Voltei a lembrar-me do pedido do meu amigo. “Quem me dera que a tua newsletter desta semana pudesse ser sobre uma coisa feliz.”
Pus-me de novo a remexer nas gavetas da memória até que lembrei de uma história de amor relatada na primeira pessoa, que parecia mais de filme do que real, e que nunca mais esqueci. Ficou-me debaixo da pele. E deu-me horizonte.
Já no final de uma longa conversa que tive com uma senhora que dobrara a esquina dos 80 anos, ela falou-me “do fulgor intacto da paixão ardente e desmedida” que tinha pelo marido.
Esta mulher, dona de uns olhos azuis profundos, cheios de curiosidade e de perguntas, contou-me com uma convicção impossível de rebater que ainda estava apaixonada pelo marido.
E que o desejo, sim o desejo, o fogo, a paixão, crescia por ele todos os dias. Fiquei pasmo. Quis saber mais. Como era isso possível?
“Não pode calcular quão desmedida é esta paixão, é muito desmedida mesmo. Como é que se faz para aguentar tanto fogo? É complicado. E é bom. A paixão é uma coisa boa, mesmo que magoe.
O que me diziam é que ‘ o amor passa e fica a amizade’. Para amizade tenho os meus amigos, Tenho sido uma sortuda por amar o homem com quem vivo há 55 anos. A paixão tem aumentado ao longo dos anos, galopantemente. É incontrolável.”
Não resisti a perguntar-lhe do que mais gostava neste amor que atravessava uma vida inteira. Respondeu-me: “De tudo. Mesmo daquilo que não gosto.”
Estava desarmado e surpreendido. Tinha a certeza que esta mulher não me mentia.
E vendo-me fascinado com a história de amor, a senhora que era toda poesia, ainda me disse que apesar de defender a igualdade de direitos para homens e mulheres, fazia questão de lhe engomar as camisas, e não deixava a empregada tocar nos colarinhos do seu amado.
Fazia-o porque queria, não por imposição ou necessidade. Era por amor.
E o seu marido devolvia-lhe o mesmo carinho, quando passava os olhos nos escritos poéticos da mulher, com o mesmo amor, a mesma admiração, sem achar uma única palavra desengomada:
“Quando abro os olhos e olho para ele, é como se o visse pela primeira vez e penso: “Que homem lindo que tenho na minha cama. Que sorte eu tenho, veio dormir comigo um anjo.”
Este homem chamava-se Luís de Barros, jornalista e antigo diretor do DN, que partiu seis anos antes da sua mulher e eterna apaixonada: a poetisa da liberdade, feminista e insubmissa, figura maior da literatura, a última de “As Três Marias”, mulher corajosa a quem devemos muito, Maria Teresa Horta.
Deixo-vos aqui a conversa que tive consigo em 2019, e que habita num dos melhores lugares da minha memória.
Ouçam aqui.
Termino com um belíssimo poema seu, cheio de coração e desejo, porque acredito que nestes tempos de desesperança, o amor e a poesia podem resgatar-nos da escuridão.
Poema “Segredo”
Do livro “Minha Senhora de Mim”,
de Maria Teresa Horta, ed. Dom Quixote

“Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar”


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