sexta-feira, 8 de julho de 2022

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2022 | OUTRA ESCOLHA |«Eu sou a minha própria mulher»

 


"Eu sou a minha própria mulher" estreou nos EUA em 2003. Vencedora de múltiplos prémios, incluindo o Pulitzer de Teatro e o Tony Award, a peça conta-nos a fascinante biografia de Charlotte von Mahlsdorf, uma pessoa transgénero que viveu sob o regime nazi, primeiro, e depois na Berlim oriental da República Democrática Alemã. A história desta persona cruza-se com a do próprio autor do texto, que conhece Charlotte em 1992. Doug Wright procura conciliar a admiração que nutre pela personalidade encantatória de alguém que, perante dois regimes opressores, nunca teve medo de assumir quem era, com alguns actos colaboracionistas da própria protagonista revelados anos mais tarde.
Envergando um vestido preto simples e elegante, e ostentando um colar de pérolas clássico, Charlotte surge-nos rodeada de réplicas dos objectos da vida quotidiana expostos no museu-antiquário que criou nos anos 60, e em cuja cave abrigou na década seguinte várias celebrações da comunidade homossexual berlinense. Sozinha em cena, esta personagem real desdobra-se nas pessoas que atravessaram a sua vida: vedetas de televisão, familiares e até o próprio autor da peça. Graças a esta nuance, é a própria perspectiva do que ouvimos em palco que se altera, ao darmo-nos conta de que no discurso de Charlotte a verdade e a fantasia se misturam. Uma tour de force do actor Marco D'Almeida, com direcção de Carlos Avilez (homenageado pelo Festival em 2013), "Eu sou a minha própria mulher" confronta-nos com a problemática do julgamento moral de quem viveu sob um regime totalitário.
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