(...)A carreira artística inicia-se em todo o seu fulgor na década de 1970, marcada por influências culturais anglo-saxónicas e onde utiliza linguagens diversificadas: pinturas, filmes, colagens de materiais heteróclitos, montagens fotográficas ou encenações de textos onde coloca em jogo vários elementos, desde a apropriação de imagens e citações literárias à fragmentação das formas, pondo-os ao serviço de um discurso plástico marcado pelo desejo e a pulsão erótica.
"Há um filme muito giro do Truffaut chamado 'L'homme qui aimait les femmes' e eu sou um pouco como ele: morreu atropelado por um Porsche quando ia a olhar para as pernas de uma mulher. Há piores maneiras de morrer", comentou em entrevista ao Jornal I. Era com alegorias destas que demonstrava o amor pelas mulheres, fonte inesgotável de inspiração.
Dizia: "Apaixono-me a toda a hora e a todo o instante. Faz parte da vida". E por isso mesmo casou três vezes. Assim na arte como na vida " O desequilíbrio é o que me interessa. Interessa-me muito mais o desequilíbrio do que as coisas estáveis. As coisas muito estáveis e certinhas não levam a lado nenhum a não ser a uma pasmaceira de café com leite. Interessam-me muito mais as coisas que estejam à beira do precipício", comentou numa entrevista ao programa "Fala com ela".
Na década de 1980, Julião Sarmento acompanha a mudança de paradigma, o que no seu caso determina o "regresso à pintura" figurativa e expressionista. É o período das "Pinturas brancas", em que predomina o desenho a grafite sobre fundo branco, onde os corpos quase se desmaterializam, reduzindo-se a linhas de contorno, e onde o vemos centrar-se na representação do feminino. A sua pintura torna-se num recetáculo de imagens e modos de pintar heterogéneos . O efeito produzido por essa sobreposição remete sobretudo para dois universos, o da literatura e o do cinema, eixos estruturantes da sua obra. Nesta época participa em duas edições sucessivas da Documenta de Kassel, que tiveram impacto na sua carreira internacional. (...)». Leia na integra.
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«(…)Implica conhecer o contorno da verdade, o contorno das pessoas
que vemos?
O que me interessa no meu
trabalho é essa parte que não pode nunca ver.
É por isso que diz que trabalha com a essência da mulher e
não com a mulher?
Trabalhar com a mulher...,
parece que estou a trabalhar com a mulher enquanto objecto. Eu não objectifico
a mulher.
Mas é muito
fácil perceber a mulher enquanto objecto no seu universo. Mesmo que seja uma
essência, e não uma mulher determinada.
É a mulher enquanto género,
enquanto ser do sexo feminino. Está a referir-se às mulheres das pinturas
brancas?
Não só. Nas
imagens dos anos 70 que estão na exposição, não conta para nada a cara da
mulher. Na sequência da mulher que corre à noite por entre a mata, vestida
apenas com um casaco de peles, por acaso nem me lembro se a cara dela aparece
ou não. O que conta é a força do animal que avança.
É o que interessa. Na pintura
é diferente. Basta um nariz e passa a ser uma pessoa determinada, deixa de ser
uma pessoa genérica. E isso é que me levou a... Não é como os americanos, que
diziam que eu odiava as mulheres porque lhes cortava a cabeça!
Pois, fazem-lhe
essas acusações de misoginia, a si que tem paixão declarada pela mulher. Mas
nas pinturas brancas, a mulher aparece, não exactamente maltratada, mas com uma
ameaça constante sobre si.
Interessa-se o instante entre
o pairar da ameaça e a concretização da ameaça. Será que se concretiza?
A ameaça é perpetrada?
Nunca é perpetrada. Está
sempre no limite.
Ainda em
Serralves, passou uma obra sua, um filme pornográfico antigo onde nunca chega a
haver uma explicitação da sexualidade: é cortado justamente no momento que
antecede a concretização do movimento.
Exacto.
É sempre o
lance o que lhe interessa. É aí que o desejo se consuma?
Nunca é consumado. Porque
nunca fico satisfeito com o que faço. Há sempre qualquer coisa que falta. Como
a faca que nunca entra na carne. E é isso que me impele a continuar: a
incapacidade das coisas que faço. «Isto está bem, mas... (…)».